Quase um ano após o acidente com o voo 2283 da Voepass que matou 62 pessoas em Vinhedo (SP), um ex-auxiliar de manutenção da companhia revelou, com exclusividade ao g1, que uma falha no sistema de degelo da aeronave foi relatada verbalmente, mas não registrada no diário de bordo. O problema foi comunicado por um piloto à equipe de manutenção poucas horas antes da decolagem, mas, sem o registro técnico obrigatório, a falha foi ignorada, e o avião seguiu para Cascavel (PR). O Technical Log Book (TLB), que deveria conter a ocorrência, permaneceu em branco quanto à anomalia.

De acordo com o ex-funcionário, a omissão do problema ocorreu num ambiente de pressão interna, onde havia um esforço para evitar que aeronaves fossem paralisadas para manutenção. Segundo ele, a diretoria da companhia priorizava manter a operação em andamento mesmo diante de falhas técnicas. O avião em questão, um ATR 72-500, apresentou falhas anteriores e já vinha acumulando registros de ações corretivas retardadas (ACR). Na madrugada anterior à tragédia, a equipe de manutenção estava desfalcada e não teve tempo hábil para investigar a falha verbalmente relatada.

A caixa-preta do voo confirmou que o sistema de degelo foi acionado três vezes durante o voo, mas não funcionou corretamente. Informações técnicas também apontam que os pilotos discutiram o acúmulo de gelo na fuselagem minutos antes da queda. Especialistas ouvidos pelo g1 afirmam que o mau funcionamento do sistema em regiões com formação de gelo compromete gravemente a segurança da aeronave, afetando sustentação, peso e estabilidade. A Polícia Federal, o Cenipa e a Anac apuram o caso, e o inquérito segue em andamento.

A Voepass, por meio de nota, declarou que a segurança sempre foi prioridade em mais de 30 anos de atuação e que o acidente de agosto de 2024 foi o episódio mais trágico de sua história. A companhia afirma estar colaborando com as investigações e mantendo apoio às famílias das vítimas. A Anac confirmou que a aeronave possuía documentação e certificados válidos, e que todas as denúncias estão sendo apuradas conforme o rito legal.

A revelação do ex-funcionário traz novos elementos às investigações, reforçando a hipótese de que a tragédia poderia ter sido evitada caso a falha no degelo tivesse sido registrada e tratada adequadamente. Segundo o depoente, a cultura operacional da empresa impediu que medidas fossem tomadas a tempo. “Se o piloto tivesse reportado no diário de bordo, esse avião não teria decolado. Com certeza o acidente poderia ter sido evitado”, afirmou.